Advogado dá voz de prisão para juíza durante audiência

O advogado Rafael Dellova deu voz de prisão para a juíza Alessandra de Cássia Fonseca Tourinho durante audiência na 4ª Vara do Trabalho, em Diadema, Grande São Paulo. Ele alegou abuso de autoridade. O caso ocorreu em 2 de julho e um vídeo da cena viralizou essa semana nas redes sociais.

Nas imagens é possível ver o momento em que o defensor afirma que a magistrada o gritou. A juíza nega e acusa Rafael de tumultuar a audiência. “Eu não gritei com o senhor. O senhor começou a tumultuar a audiência, atrapalhando”, disse a magistrada.

“Está gravado, eu tenho direito. Em nenhum momento fui desrespeitoso. A doutora gritou e mandou eu sair da sala”, rebateu o advogado.

Alessandra, então, afirmou: “Doutor, me poupe”. E o advogado respondeu: “Não vou te poupar. Estou dando voz de prisão por abuso de autoridade”.

A juíza sai da sala e afirma no corredor que estava se sentindo ameaçada. Rafael responde: “E eu fui expulso da sala de audiência. Eu estou dando voz de prisão, Excelência”.

A Associação dos Magistrados Brasileiros e a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (Amatra) afirmaram que a juíza foi intimidada. A Amatra acrescentou que a confusão se deu durante o depoimento da cliente de Rafael em um processo trabalhista.

“Após ser determinado pela magistrada que a patrona [advogada] da reclamada continuasse fazendo as perguntas e que a autora respondesse, o causídico [advogado Rafael] permaneceu insistindo e afirmando que faria outras interrupções se assim continuasse a instrução”, afirmou a associação, em nota.

Diante da repercussão, o ministro Luís Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça, determinou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instaurasse um pedido de providências para apurar o que houve.

“Conforme claramente se nota na mídia amplamente divulgada e gravada ao longo da audiência, o referido advogado, visivelmente alterado e em atitude desrespeitosa, interrompeu por diversas vezes ato de oitiva que ocorria ao longo da instrução e, após ter seu requerimento negado, ignorou o término do ato e levantou-se com dedo em riste em direção à magistrada, dando-lhe voz de prisão”.

“É de rigor que os fatos aqui registrados sejam corretamente apurados para viabilizar a análise e, se for o caso, adoção das providências cabíveis pelos órgãos competentes, inclusive a elaboração de política pública pelo CNJ para evitar e prevenir situações similares.”

O corregedor também determinou que a OAB-SP fosse oficiada para “a tomada de providências cabíveis em relação aos fatos praticados pelo advogado Rafael Dellova”, e que a Comissão de Mulheres Advogadas (OAB/SP) e OAB Conselho Federal também fossem notificados.

“A fim de que, à luz dos casos recorrentes envolvendo possível violência de gênero, encaminhe sugestões de políticas voltadas ao tema, visando a construção de medidas voltadas a garantia do direito das mulheres e contenção da violência de gênero envolvendo membros da advocacia e do Poder Judiciário, em casos como o dos autos, no prazo de 15 dias”, afirmou o ministro.

Nota do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

“O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região reafirma sua vocação pela pacificação social. Sua atuação, em contínua harmonia junto aos membros da advocacia, acontece em diversos procedimentos e em milhares de audiências diárias em suas unidades, que transcorrem com urbanidade, ordem e profissionalismo, sempre em prol dos jurisdicionados.
Assim, a instituição condena qualquer tipo de intimidação, ameaça ou agressão promovida contra magistrados(as) ou servidores(as) em qualquer situação, e aguarda a apuração do ocorrido e as providências cabíveis pelas instâncias adequadas, incluindo a Corregedoria Nacional de Justiça, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a seccional da entidade em São Paulo.”

Nota da OAB-SP

Em nota, a OAB-SP disse que “apura toda e qualquer infração que chegue a seu conhecimento por intermédio de representação ou diante de fato divulgado em canais de comunicação” e, como o processo é sigiloso, não permite “qualquer divulgação de providências eventualmente adotadas, nem mesmo acerca de sua instauração, sendo que o sigilo vigora até que haja decisão condenatória irrecorrível que tenha penalizado o advogado (a) com suspensão ou exclusão dos quadros da OAB”.

Nota da Associação dos Magistrados Brasileiros

“A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) expressa apoio e solidariedade à juíza Alessandra de Cássia Fonseca Tourinho, que foi alvo de intimidações e ameaças no exercício da função por um advogado inconformado com o andamento do processo.
A AMB é uma defensora intransigente da independência judicial – garantia constitucional que permite aos magistrados julgar com isenção e imparcialidade, livres de quaisquer pressões, com base tão somente nas leis e nas provas.
Condutas desrespeitosas, além de violar o devido processo legal, em nada contribuem para os reais e legítimos interesses dos cidadãos que, por meio de seus advogados, estão em busca de justiça.”

Nota da Amatra

“A AMATRA-2, acompanhada pela ANAMATRA e todas as demais AMATRA’s do país, entidades que reúnem mais de 4 mil magistrados do trabalho em todo o Brasil, vêm, por meio desta, demonstrar seu irrestrito apoio à Juíza Alessandra de Cássia Fonseca Tourinho, associada da AMATRA-2, diante dos fatos ocorridos no dia 02 de julho de 2024, envolvendo o Advogado Rafael Dellova, OAB 371.005/SP.

Na referida data, em audiência realizada na 4ª Vara do Trabalho de Diadema/SP, durante o depoimento pessoal da reclamante, seu Advogado, Rafael Dellova, interrompeu o depoimento, e, após ser determinado pela Magistrada que a patrona da reclamada continuasse fazendo as perguntas e que a autora respondesse, o causídico permaneceu insistindo e afirmando que faria outras interrupções se assim continuasse a instrução.
No exercício do poder de polícia garantido pelos artigos 765 da CLT e 360 do CPC, a Magistrada decidiu redesignar a audiência. Inconformado com a condução da audiência recém-encerrada, o Advogado da Reclamante levantou-se exaltado e acusou a Magistrada de ter cometido crime de abuso de autoridade, dando-lhe voz de prisão, ao completo arrepio da legislação, causando tumulto na unidade judiciária.
A conduta do Advogado, além de contrariar os artigos 5º, 6º e 361, parágrafo único, do CPC, viola também o art. 33, II, da LOMAN (Lei Complementar 35/79), que confere ao magistrado a prerrogativa de “não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do Órgão Especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado”.

Note-se que a suposta infração alegada pelo advogado não consubstancia crime inafiançável, tampouco conduta tipificada da Lei 13.869/2019, cujo artigo 1º, § 1º exige caracterização de dolo específico. Ainda, conforme o art. 7º-B da Lei 8.906/94, suposta violação ao art. 7º, VI, b e X, da mesma lei não configura crime de abuso de autoridade. Portanto, completamente desarrazoada e carente de amparo jurídico a conduta do patrono.

Assim, exercendo as suas funções jurisdicionais, notadamente com o objetivo de presidir a sessão, não pode a Magistratura tolerar condutas que advoguem contra literal disposição de lei, com o intuito de desrespeitar magistrados e magistradas, criar tumulto e/ou obter cliques em redes sociais, em flagrante ameaça à integridade do Poder Judiciário.

Salienta-se que todos os fatos foram registrados em vídeo, tanto pela unidade judiciária como testemunhas do ocorrido, no qual é possível notar inclusive a reprodução de padrões inconscientes e involuntários discriminatórios de gênero, já que decisões mais firmes tomadas pelo Estado-juiz na figura de uma mulher muitas vezes são interpretadas por parte machista da sociedade como agressividade e abuso, quando, em verdade, são estas Magistradas que sofrem uma enviesada violência de gênero, com intimidações, ameaças e ofensas.
Caso tal como o de tantas outras juízas, que sofreram e sofrem, em termos estatísticos, como expressiva maioria dos episódios de desrespeito e ofensa ao exercício da Judicatura.

Não é demais lembrar que a ofensa a uma Magistrada significa ofensa a toda a classe, sendo imperativo da democracia que condutas abusivas dessa natureza encontrem exemplar resposta do Poder Judiciário.

A democracia se enfraquece quando são perpetrados ataques depreciativos ao Estado-juiz, sobretudo na figura de uma mulher, e ao se intimidar e dar voz de prisão à Presidente da audiência, sem qualquer respaldo legal, inclusive ao tentar impedir sua livre locomoção, como estratégia para desqualificar o exercício da função, afeta a própria importância do Poder Judiciário.

É imprescindível que todos os participantes do processo judicial, incluindo a advocacia, função essencial à justiça, estejam atentos e vigilantes à correta aplicação das leis e à urbanidade.
Dessa maneira, todas as Associações de Magistrados do Trabalho abaixo identificadas vêm, por meio desta, apoiar a Juíza Alessandra de Cássia Fonseca Tourinho e todas as outras que sofreram violências semelhantes nos últimos tempos. O respeito às prerrogativas da magistratura é questão nuclear e sensível a tais entidades, que sempre atuarão, sem medir esforços, em prol dos seus associados.”